segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Autofagia


Aquele tempo passava não significando nada além da reunião de noites vazias, regadas a muita bebida e promessas vãs de sexo sem compromisso.
Sem saber como controlar aquilo que chamam de realidade, tudo parecia uma sucessão de eventos isolados como em um filme, talvez daqueles com várias histórias interligadas que sempre convergem para um ponto nada neutro...
Assombrosamente habituais, aquelas noites não traziam nada além de mordidas e salivas sem rosto, sem voz e sem ‘depois’.
Sabia que não existiria redenção, caminhava pela rua repleta de anônimos que a olhavam sem muito interesse. Em determinado ponto do percurso, sem destino específico, sentiu sua garganta arder. Seus olhos lacrimejaram e suas pernas fraquejaram, fazendo com que o frágil corpo caísse lentamente sobre a ruela imunda. 
Ajoelhada sobre a calçada, em pequenas convulsões, viu seu corpo rejeitando os próprios órgãos... pequenos pedaços de rim e de pulmão entre sangue espumoso e quente. Nenhum olhar assustado, nenhum transeunte na noite silenciosa.
Como um animal sem repulsa, quase instintivamente, passou a lamber àquela poça de fluído na tentativa compulsiva de engolir a si mesma.
Seus cabelos eram um emaranhado pegajoso enquanto o seu corpo estava totalmente entregue à atividade grotesca.
A cada porção ingerida uma nova devolução às calçadas.
A febre, o suor e o desespero, companhias incontestáveis requerendo prudência. Quantas horas se passaram? Jamais saberia precisar...
Atirada ao chão, sem medo, sem relutância, sem forças, sem vontades, sem paixões...
Percebeu que cães vadios aproximavam-se do delicioso banquete. Ela tentou erguer uma das mãos, na tentativa de afastá-los dos seus restos. Inútil. Ouviam-se uivos terríveis e rosnas ameaçadoras.
Até que tudo aquilo finalmente perdeu o sentido.

domingo, 26 de setembro de 2010

O Abraço

Todos os dias anteriores àquele não fariam sentido. Seriam considerados apenas uma “preparação” ou ainda o “contrário” necessário à exultação ou renegação daquilo que ela poderia chamar de “nova realidade”.