quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Irremediável


Sabe quando o café fica ruim e tentamos consertá-lo?
Coloca um pouco mais de açúcar, um pouco mais de água e ele vai ficando cada vez pior.
Pergunto-me porque as pessoas têm a mesma obstinação nos relacionamentos...
Quando bebemos o primeiro gole e percebemos que está ruim já sabemos que o mais sensato é derramar ralo abaixo e juntar novamente os ingredientes em busca da composição adequada, mas ainda assim continuamos tentando “salvá-lo”. Seria por orgulho da própria persistência? Ou seria ainda a incapacidade de aceitar o fracasso da investida?
De qualquer forma, vou colocar um pouquinho mais de água quente que o meu café já ficou frio.

terça-feira, 30 de novembro de 2010


Alguém sabe se existe paixão em comprimidos?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Brevidade II

Algumas pessoas assistem novelas.
Eu assisto pessoas.

sábado, 23 de outubro de 2010

Brevidade I

Meu avô me ensinou a andar pela contramão.
Só assim eu conseguiria ver o que estava por vir.

domingo, 10 de outubro de 2010

Minutos antes do “depois”

O ‘eu te amo’ sincero entrecortado por lágrimas quentes. Eu só queria que ele me abraçasse enquanto choro baixinho por tudo que podíamos ter sido e pelo que jamais seremos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Abstração de si mesma


“Eu preciso cuidar de ti”.
Não, ela não precisava.
Ela precisava esquecer-se de si mesma, nem que para isso um pseudo-altruísmo surgisse; sentar na platéia e se apaixonar por personagens, imaginar a quarta parede e olvidar que ela também poderia atuar. Contemplar à distância, sonhar, chorar, todos os sentimentos permitidos desde que não fossem seus, desde que todas as situações fossem recriadas da forma mais impessoal possível.
Impessoal, morno. Nem as nuvens se mexem no céu. O ar denso tornando tudo surreal como nas tardes quentes do passado.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Autofagia


Aquele tempo passava não significando nada além da reunião de noites vazias, regadas a muita bebida e promessas vãs de sexo sem compromisso.
Sem saber como controlar aquilo que chamam de realidade, tudo parecia uma sucessão de eventos isolados como em um filme, talvez daqueles com várias histórias interligadas que sempre convergem para um ponto nada neutro...
Assombrosamente habituais, aquelas noites não traziam nada além de mordidas e salivas sem rosto, sem voz e sem ‘depois’.
Sabia que não existiria redenção, caminhava pela rua repleta de anônimos que a olhavam sem muito interesse. Em determinado ponto do percurso, sem destino específico, sentiu sua garganta arder. Seus olhos lacrimejaram e suas pernas fraquejaram, fazendo com que o frágil corpo caísse lentamente sobre a ruela imunda. 
Ajoelhada sobre a calçada, em pequenas convulsões, viu seu corpo rejeitando os próprios órgãos... pequenos pedaços de rim e de pulmão entre sangue espumoso e quente. Nenhum olhar assustado, nenhum transeunte na noite silenciosa.
Como um animal sem repulsa, quase instintivamente, passou a lamber àquela poça de fluído na tentativa compulsiva de engolir a si mesma.
Seus cabelos eram um emaranhado pegajoso enquanto o seu corpo estava totalmente entregue à atividade grotesca.
A cada porção ingerida uma nova devolução às calçadas.
A febre, o suor e o desespero, companhias incontestáveis requerendo prudência. Quantas horas se passaram? Jamais saberia precisar...
Atirada ao chão, sem medo, sem relutância, sem forças, sem vontades, sem paixões...
Percebeu que cães vadios aproximavam-se do delicioso banquete. Ela tentou erguer uma das mãos, na tentativa de afastá-los dos seus restos. Inútil. Ouviam-se uivos terríveis e rosnas ameaçadoras.
Até que tudo aquilo finalmente perdeu o sentido.

domingo, 26 de setembro de 2010

O Abraço

Todos os dias anteriores àquele não fariam sentido. Seriam considerados apenas uma “preparação” ou ainda o “contrário” necessário à exultação ou renegação daquilo que ela poderia chamar de “nova realidade”.

terça-feira, 3 de agosto de 2010


Quero um corpo anônimo:

Cru,
Vulgar,
Atroz,
Pálido e
Líquido.

Quero mácula.
Quero culpa na ausência de culpa.
Quero o abandono de qualquer contemplação poética.
Quero carne arrancada com os dentes em pequenos pedaços.
Quero nudez saciada em si mesma.

Nada de elucubrações penosas.
Não quero nenhuma esperança tardia.
Não quero reverências solícitas.

Apenas o refúgio crônico.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Na rejeição, na angústia e na solidão eles tinham um ao outro.
Ela quis consultar o relógio, ele não a deixou, puxando-a para outro beijo com hálito de anis.
Ela conseguiu se desvencilhar e disse que precisava ir ao banheiro. Ao voltar, estava com olhar assustado, começou a pegar suas coisas.
Ele esfregou o rosto de maneira infantil: “era por isso que eu não queria que tu olhasses o relógio. Sabia que se soubesses que já amanheceu irias querer ir embora”.
Como uma cinderella às avessas, ela partiu.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Déjeuner du Matin

Tá tosquícimo mas como primeira experiência áudio-visual achei válido postá-lo, mas por favor opinem mesmo que criticando :)
__________________________________________

A dor silenciosa;
A zelosa contemplação.
O tédio.
O vazio.
A indiferença.
O enjoou na alma.
O Jazz ao fundo fazendo dueto com a chuva são presenças melancólicas, assim como o café e os cigarros que entopem o silêncio conferindo alento à solidão dos personagens.
A câmera ora subjetiva, ora um terceiro olhar sobre o casal jovem e acorrentado pelo desânimo. A imagem, em nenhum momento completamente estável, remete a uma respiração impaciente conferindo tensão aos minutos que se seguem na sequência de planos rotineiros de um café da manhã.





domingo, 27 de junho de 2010

A Lingerie Vermelha

E lá estava ela, com aquela patética lingerie vermelha, fumando o último cigarro da carteira enquanto debilmente bebia em goles longos um café.

Seus pensamentos estavam longe. Sua única ligação com o real era através dos objetos que tocava e de uma angústia intimidante que a lembrava de que ainda estava viva.

Esboçou uma careta quando se deu conta de que o café há muito já estava frio e decidiu ir até o andar de baixo, não que ela tivesse vontade disso, mas porque era uma tentativa impensada de sair dali e que no caminho esquece-se de tudo que rondava sua mente e não lhe deixava em paz.

Enquanto descia as escadas mais uma vez perdeu-se no limbo dos pensamentos. Quando voltava a si não sabia exatamente quanto tempo havia se passado e encontrava-se imóvel no degrau. Seria isso o princípio da loucura? Essa questão excitou seus sentidos e fez com que sentisse medo. Muito medo.

Mas poderia demorar o quanto quisesse descendo as escadas. Infelizmente não existia ninguém para esperar por ela. Essa conclusão a inquietou novamente, como que para negligenciá-la desistiu do andar de baixo, subindo depressa até o quarto.

Como se tivesse medo de enfrentar as escadas novamente, recusou-se a descer para buscar um copo d´água, engolindo um comprimido com o resto de café frio.

Deitou-se, fechou os olhos e tentou se refugiar em cenas da infância, a inocência contundente, a melancolia de finais de dias de verão. Aquele vento quente que passou tão rápido e a trouxe ao mundo feio dos adultos: agarrada a sua boneca adormeceu e quando acordou já havia ficado tarde demais.

Abriu os olhos antes que chorasse. Sentia anseio intenso de fugir. Chegava a se imaginar correndo e com unhas sobre-humanas perfurando o próprio peito, rasgando a carne e deixando cair as vísceras ao chão. Parecia a única solução plausível para aliviar aquela pressão interna que comprimia seus órgãos.

Numa explosão de lágrimas ácidas, chorou. Sentiu pena de si mesma. Quis mudar de vida.

Era recorrente. Sempre voltava a esta mesma conclusão: “vou mudar, sei o que me faz mal. É só deixar para trás”. Mas também sempre se lembrava do quanto era fraca. Teria que enganar seu cérebro mais uma vez e fazer de conta de que tudo estava bem. Por que é tão simples para as pessoas comuns e tão difícil para ela aceitar o sonho lúcido?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Considerações sobre o tempo I

O tempo passa mais rápido de olhos fechados. Bem fechados. Bem rápido.

segunda-feira, 26 de abril de 2010


Ótimo. Já construí cada detalhe teu na minha mente. Agora, trate de existir e corresponder a tudo isso.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Esse é o meu eu
Doente
Desolado
Desinteressado
Descontente
Desconfiado
Desconsolado
E sem poesia.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quanto pesa a consciência?




O elevador parou no 11º andar. Encostado ao espelho estava o único passageiro que olhou levemente irritado para aquelas cinco pessoas - quatro mulheres e um homem – que, sintomaticamente eufóricos pela hora do almoço, mantinham risinhos e oratória animada.
Rapidamente entraram no elevador ocupando quase que todo o pequeno espaço.
A conversa continuou entusiasmada até que no 5º andar o elevador parou novamente onde um senhor de aproximadamente cinquenta anos, bem vestido, aguardava:
“Cabe mais um?” perguntou esboçando um lacônico sorriso. Prontamente todos se acomodaram de forma a permitir sua entrada: “Claro! Sempre cabe mais um.” “Finalmente estamos com o elevador quase no limite”. Sarcasticamente sorrindo, o novo passageiro lançou: “mas o que mais pesa é a consciência...”. Os sorrisos constrangeram-se. De uma das mulheres veio a contraposição: “mas esse peso o elevador não sente.” E um denso silêncio os acompanhou até a portaria.